Esboço entrevista Daniel Munduruku.
Compartilhe agora mesmo:
A primeira entrevista da plataforma Esboço não podia ter sido melhor. Foi com o consagrado escritor Daniel Munduruku e durante a 5ª edição da Feira do Livro de Resende (FLIR), que ocorreu entre os dias 6 e 9 de junho de 2019. A Esboço não podia estar mais feliz e orgulhosa dessa entrevista.
Daniel Munduruku nasceu na aldeia Munduruku em Belém do Pará. Hoje, com 55 anos, o autor e também professor ministra inúmeras palestras e coordena o Instituto Uka – Casa de Saberes Ancestrais que um caráter educacional e promove a cultura indígena. Possui mais de 50 livros publicados e alguns já foram traduzidos para outras línguas. Vale dizer que Daniel é uma referência brasileira como autor de livros infantis com a temática indígena.
Antes de conseguirmos a entrevista, assistimos à palestra cujo público era predominantemente infantil. Com uma linguagem lúdica, Daniel conseguiu cativar as crianças falando sobre sabedoria indígena. Na verdade tudo o que falou foi acalentador, mas também assertivo, já que estamos vivendo momentos sombrios na política brasileira em que, inclusive, a cultura indígena e seu povo são completamente desvalorizados e ameaçados pelo atual governo. Os assuntos giraram em torno de conservação, sabedorias dos povos da floresta, sua cultura e língua, sobre a arte do respeito etc.
Foi um grande prazer estar com o escritor, mesmo sentindo uma grande emoção, pode-se dizer que ele é uma pessoa acolhedora e nos fez sentir à vontade.
Descrevemos a seguir a entrevista que será publicada em várias partes, pensando na dinâmica atual de publicações virtuais e em proporcionar melhor experiência de absorção de conteúdo pelos nossos leitores. Divirtam-se.
Esboço: Você mora em Lorena-SP, né? Faz quanto tempo que você saiu da floresta?
Daniel Muduruku: Eu saí há 30 anos. Na verdade eu saí mesmo quando tinha 15 anos de idade. Já faz quarenta anos. Aí eu fui para a cidade, fui estudar e criar esse caminho que hoje já percorri. É claro que fico sempre nessas idas e vindas da floresta. Mas saí mesmo da aldeia Muduruku quando eu me tornei um adulto, ou seja, já saí pronto por volta dos 15 anos. E aí eu fui sozinho. É claro que já conhecia a cidade, eu já estudava. Estudei o Ensino Fundamental na cidade, porque não tinha escolas nas aldeias nessa época. Mas, na aldeia a gente é criado muito para a liberdade, sabe? E os pais sofrem quando a gente escolhe sair de perto deles. Mas a culpa é deles mesmo, porque nos ensinaram a ser livres. É nisso que nosso povo acredita. É uma educação que é difícil, porque as pessoas não fazem naturalmente esse caminho de sair. A liberdade da gente [povo indígena] tem a ver com a continuidade da nossa própria cultura. E a cultura precisa também da gente lá. Então nem todo mundo sai, nem todo mundo tem esse interesse de sair, nem todo mundo cria essas asas para além da aldeia. Na minha época muitos saíram, porque foram jogados dentro das cidades. Eram os anos 70, e nessa época, o governo militar obrigou as crianças indígenas a irem para a cidade estudar. Então, eu fui obrigado a ir para a escola para aprender a ser gente, porque a gente não era considerado gente. E isso implicava em falar português e a deixar de falar a própria língua, a não reproduzir a nossa cultura. Claro, uma educação absolutamente violenta, porque havia esse interesse de nos tornar cidadãos brasileiros. Até então era meio que impeditivo, não se podia ser brasileiro sendo indígena. Para ser brasileiro, tinha que deixar de ser indígena. Hoje em dia não precisa mais, pois a constituição de 1988 alterou isso. A gente sofreu muito. Muitas pessoas da minha geração não agüentaram e deixaram de vez a cultura. E acho que, de uma certa maneira, a literatura me salvou, porque ela permitiu que eu fosse revendo essas coisas, fosse estudar, querendo entender, inclusive.
Esboço: De onde vêm as inspirações para as suas histórias?
Daniel Muduruku: Bom, inspiração eu não sei o que é. Na verdade, eu costumo pensar que as histórias moram dentro da gente e de repente elas pedem para sair. Uma história tradicional, antiga, ancestral, do meu povo ou de outro povo, às vezes, é uma história não ficcional que de repente a gente quer contar (um caso, um fato que está ligado à nossa ancestralidade). Então eu penso que inspiração não vem de fora, ela vem de dentro, sobretudo. É claro que, para isso, a gente também precisa se antenar nas coisas. Eu tenho livros que escrevi que não têm ligação direta com a cultura indígena, às vezes, têm mais ligação com um tema que eu quero desenvolver. Alguns livros que escrevi têm essa função de tentar trazer para essas crianças, ou para os jovens, um olhar sobre um tema que eu acho importante que estejam antenadas.
É claro que muito das coisas que eu escrevo tem a ver com o que eu vivi, tem a ver com o que eu li, tem a ver com o que eu ouvi de outras pessoas, e isso tudo vai entrando em mim e, quando elas pedem para sair, eu jogo para fora. Seja de maneira falada, ou seja de maneira escrita.
***************FIM DA PARTE UM******************
Queridos leitores, a entrevista apenas começou. Nos próximos dias lançaremos o restante dessa conversa. Continuem acompanhando no site e no FB.
Matéria em PDF
Seja o primeiro a comentar!